A carreira de Rodrigo Leão é
singular e riquíssima, estando ligada a alguns dos mais importantes momentos da
cena musical portuguesa pós-1980. Rodrigo vê-a quase como um filme ou um livro
com diversos capítulos, mas sempre com ligação entre eles. Explica-nos que os
seus modos nunca se chegaram a alterar e que há coisas que tendem a não mudar:
“mesmo no princípio da Sétima Legião fazia coisas que ainda hoje repito”,
explica, para reforçar a ideia de uma continuidade que a sua música transporta.
A Sétima Legião foi uma
lufada de ar fresco e de modernidade na cena musical portuguesa quando surgiu
em 1982 pela mão, precisamente, de Rodrigo, Pedro Oliveira e Nuno Cruz. “A
Sétima Legião traduzia as influências não só de Manchester, mas também da
Galiza, por exemplo, e nisso talvez tenhamos sido diferentes”, afirma, em
retrospectiva, Rodrigo. A estreia do grupo foi com o single “Glória”, clássico
maior da nossa música que continha letra de Miguel Esteves Cardoso. Em 1984
aconteceu a estreia em formato grande, com o álbum “A Um Deus Desconhecido”, na
editora Fundação Atlântica de MEC e Pedro Ayres Magalhães então dos Heróis do
Mar. “O meu álbum favorito da Sétima Legião? Talvez o ‘A Um Deus
Desconhecido’”, esclarece Rodrigo: “Foi feito com o António Pinheiro da Silva,
engenheiro de som que eu respeito muito e é um álbum que já tinha ali um lado
cinematográfico expresso nos
Instrumentais”, refere o
compositor, reforçando, uma vez mais, a ideia de que tudo na sua carreira está
interligado.
Rodrigo fez ainda os álbuns
“Mar D’Outubro” (87), “De Um Tempo Ausente” (89), “O Fogo” (92), “Auto de Fé”
(94) e “Sexto Sentido” (99), marcos de uma carreira que soube equilibrar os
favores do público e o respeito da crítica.
Em 1986, paralelamente à
Sétima Legião, Rodrigo Leão e Pedro Ayres Magalhães deram início a uma nova
aventura que teria profundas repercussões internacionais: os Madredeus. De
baixista na Sétima Legião, Rodrigo passou para tecladista nos Madredeus e logo
aí estabeleceu-se outra ligação com o futuro da sua carreira a solo.
Em Dezembro de 1987, os
Madredeus estrearam-se com o duplo “Os Dias da Madredeus”, gravado no teatro
Ibérico de Xabregas. O álbum apontava uma nova direção para a música portuguesa
e não tardou a colher os favores do público. O sonho de expansão começa a
concretizar-se com viagens a Bolonha, Coreia do Norte, revelando aí a vocação
universalista do projeto.
“Existir” (90) e “Lisboa”
foram os álbuns seguintes dos Madredeus e o aprofundar de uma carreira de
sucesso. Rodrigo Leão, no entanto, continuava a revelar uma irrequietude
artística invulgar e lançou-se a solo em 1993 com “Ave Mundi Luminar”, primeira
amostra da sua visão particular do mundo, com participações de Teresa
Salgueiro, Francisco Ribeiro e Gabriel Gomes, dos Madredeus.
Rodrigo gravaria “O Espírito
da Paz” (94) e “Ainda” (95), dois álbuns registados em paralelo nas mesmas
sessões. “Ainda” sairia, no entanto, já depois de Rodrigo ter abandonado os
Madredeus para se dedicar à sua carreira solo. É também o disco que Rodrigo
elege como o seu favorito nos trabalhos que realizou com os Madredeus: “Foi o
Wim Wenders que escolheu aquelas canções que caíram mesmo bem no filme”,
explica.
Com a estreia solo, Rodrigo
Leão começou a explorar novas sonoridades, aproximando-se de alguma música contemporânea,
do minimalismo e iniciando aí uma viagem que já o conduziu a muitas
sonoridades: “Na minha música”, refere o compositor, “há desde o Michael Nyman
ao tango e à música francesa”.
Em álbuns como “Ave Mundi
Luminar” (1993), “Mysterium” (1995), “Theatrum” (1996) e “Alma Mater” (2000) a
presença de antigos textos em latim executados por vozes líricas indicava
claramente o universo para que Rodrigo Leão queria remeter os seus ouvintes.
Mas mesmo em trabalhos mais recentes, como o álbum ao vivo “Pasión” (2002) e
“Cinema” (2004), esse caminho muito próprio de Rodrigo Leão, pleno de
misticismo, também se faz sentir. O caráter contemplativo e introspectivo de
parte da música deste grande compositor português é inegável e mesmo na
retrospectiva de carreira que é “O Mundo (1993-2006): O melhor de Rodrigo
Leão”, editado internacionalmente no final de 2006, é notória a divisão do
reportório deste compositor entre as canções mais “mundanas”, próximas do
tango, da música para cinema ou da bossa nova – como acontece com “A Casa” a
que Adriana Calcanhoto deu voz no álbum “Alma Mater” – e as peças mais
espirituais que ocupam o segundo CD desta retrospectiva. A exposição
internacional garantiu-lhe os mais rasgados elogios:
Pedro Almodóvar, por exemplo,
não teve dúvidas e descreveu Rodrigo Leão como “um dos mais inspirados
compositores do mundo”. Alianças com nomes de primeiro plano a nível
internacional, como Beth Gibbons e Ryuichi Sakamoto que participaram em
“Cinema”, são igualmente prova do alcance da música de Rodrigo Leão e do seu
apelo universalista.
Em 2007, Rodrigo deu música
às imagens da excelente série de televisão “Portugal – Um Retrato Social” e
percorreu várias salas do nosso país com essa música que ajudou a compor o
nosso retrato sociológico. Seguiu-se o desafio dos responsáveis pela maior série
de ficção já produzida em Portugal, “Equador”, para a qual Rodrigo compôs
algumas evocativas peças que são já momento alto dos seus concertos, por
estarem ligadas a alguns dos mais emocionantes momentos do desenrolar dessa
história.
Pelo meio da sua carreira
solo, Rodrigo teve ainda tempo para lançar o projeto Os Poetas que exploraram o
universo das palavras e da poesia e das emoções com o álbum “Entre Nós e as
Palavras”, de 1997.
Agora se abre mais um
capítulo na história ainda em desenvolvimento de Rodrigo Leão. Chama-se “A Mãe”
e é um ambicioso trabalho com participações de peso como acontece com Neil
Hannon, o homem dos Divine Comedy, que dá voz a “Cathy”, Stuart A. Staples dos
Tindersticks que surge em “This Light Holds So Many Colours” ou Melingo, o
grande embaixador do novo tango argentino que surge em “No Sè Nada”.
“O Cinema Ensemble”, explica
Rodrigo, “participa muito mais neste disco. A na Vieira canta cinco ou seis
temas e em dois deles ela ajudou-me mesmo a compor as frases vocais. Está completamente
integrada. E todos os outros elementos, como a Celina da Piedade, por exemplo,
revelam novas facetas, estando completamente entregues”.
“As novas músicas”,
prossegue, “foram compostas em movimento, com diferentes janelas sobre o mundo,
o que me permitiu explorar diferentes emoções, diferentes olhares”. Rodrigo
confessa que se habituou a incluir na sua bagagem um par de auscultadores, um
computador e um pequeno teclado com que foi escrevendo as histórias que agora
se contam no novo registo que descreve como “mais introspectivo, nostálgico e
melancólico”. “Apesar de ter alguns temas mais alegres, este é um disco que eu
fiz muito voltado para dentro”, assegura Rodrigo que inclui no novo trabalho
marcas das suas viagens aos Estados Unidos, a Itália ou à Índia: “Gravei sons
de rua, crianças a brincar, o canto de pássaros. Às vezes até só com o
telemóvel”, adianta.
O Cinema Ensemble continua a
contar com Celina da Piedade, Ana Vieira, Viviena Tupikova Carlos Tony Gomes,
Bruno Silva, Luís Aires e Luís San Payo, uma equipa imbatível tanto em estúdio,
como em palco, local onde já se habituou a arrancar “bravos” e incessantes
aplausos com a música que executa e que soa quase mágica.
Em 2009, Rodrigo Leão
continua a escrever a sua história pessoal com música que o afirma cada vez
mais como um compositor de exceção. No ano seguinte é reeditado “Ave Mundi
Luminar”.
2011 foi o ano de “A Montanha
Mágica”. Neste álbum, produzido uma vez mais por Pedro Oliveira e Tiago Lopes,
Rodrigo foi explorando as emoções associadas a todas as memórias que o próprio
invocou pegando em instrumentos que há muito se encontravam fora da sua esfera
de executante, como os já referidos baixos ou guitarras, ou até a bateria. Além
de Rodrigo recorrer a outros instrumentos, gesto aliás seguido por Viviena
Tupikova ou Celina da Piedade, que alargam a paleta tímbrica com o recurso a
instrumentos como o metalofone ou o sintetizador, há ainda que apontar os
contributos de convidados como Pedro Wallenstein (contrabaixo), João Eleutério
(guitarras), Miguel Nogueira (músico do Quinteto Tati que aqui toca guitarra),
Rui Vinagre (em guitarra portuguesa) ou Tó Trips (o guitarrista dos Dead
Combo).
Este álbum é também pontuado
pelas importantes participações de Scott Matthew, a voz do belíssimo “Terrible
Dawn”, Thiago Petit, que canta em “O Fio da Vida” e ainda Miguel Filipe, voz
dos Novembro que fecha a viagem com a sua prestação em “O Hibernauta”.
A Montanha Mágica, que entrou
diretamente para o primeiro lugar do top de vendas nacional na semana de
lançamento, apresenta uma formação diferente dos discos anteriores. Além de
convidados pontuais, escuta-se apenas um trio de cordas – Viviena Tupikova,
Bruno Silva e Carlos Tony Gomes em violino, viola e violoncelo, respectivamente
– e o acordeão de Celina da Piedade.
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